por Pedro Jorge Pereira
Junho de 2021
Ao longo dos últimos séculos a população humana tem vindo a apropriar-se cada vez em maior escala dos habitats ditos ainda “naturais”, com consequências habitualmente desastrosas para estes. Na verdade o ritmo de destruição por exemplo das florestas nativas ou da perda da biodiversidade é absolutamente aterrador.
Cá por Portugal, ainda que não registando a dimensão catastrófica da destruição ecológica de outros locais (se pensarmos por exemplo nas florestas tropicais), o panorama não é propriamente muito mais animador.
Entre a substituição/destruição da floresta autóctone por plantações intensivas de espécies de crescimento rápido (com natural destaque para a praga do eucalipto), a proliferação de auto-estradas por tudo o que é canto e consequentes impactos, a artificialização dos espaços verdes, a agricultura confundida com monocultura intensiva a “bombar” pesticidas e fertilizantes de síntese pelas nossas terras, a poluição dos diversos cursos de água, a pressão humana na linha costeira, os resíduos sólidos urbanos produzidos em ritmo alucinado, a betonização dos últimos rios ainda relativamente em estado “selvagem”, etc., o que não falta é por onde escolher no cardápio dos maiores atentados ecológicos no país. Ao que parece somos mesmo bons a desprezar e a mal-tratar a Natureza.
Não obstante nos últimos anos aparentemente as coisas têm melhorado um pouco … aparentemente existe um pouco mais de consciência ecológica e, por outro lado, as condições ao nível de infraestruturas básicas (por exemplo saneamento) verificaram alguma evolução.
Partindo da premissa de que a alguns níveis a evolução foi efectivamente positiva, uma das questões mais pertinentes que se coloca é a de se a população portuguesa se tornou ambientalmente mais consciente?
Ao que parece existe uma aparente maior valorização dos espaços naturais tendo surgido bastantes projectos cujo intuito pretende ser a requalificação de espaços ditos naturais, ou semi-naturais e a criação por exemplo de parques. Muitos deles parques urbanos para usufruto da população e para alguma recuperação ecológica de habitats …
Aparentemente as pessoas também valorizam mais a Natureza na medida em que as chamadas actividades de “ar-livre” como por exemplo a caminhada são cada vez mais procuradas.
O contacto com a Natureza tem efectivamente o potencial de se constituir como um dos principais meios de sensibilização e educação ambiental. Conhecer a Natureza, compreender as suas dinâmicas, sentir toda a sua essência, etc. Mas a verdade é que o contacto com a Natureza por si só está longe de constituir a “garantia” de uma efectiva sensibilização ou aumento da consciência ambiental por parte de quem a procura. A maior evidência disso são os badalhocos que deixam lá ficar o seu lixo como prova cabal de sua boçalidade. Tudo depende em larga medida da sensibilidade e receptividade das pessoas. A verdade é que vezes sem conta essa sensibilidade e receptividade não é propriamente a maior e a postura de quem usufrui dos espaços ditos “naturais”, ou relativamente naturais, não é verdadeiramente de contemplação, admiração ou até do mais elementar respeito.
Pois bem … mas a que propósito surgem todas estas reflexões? A resposta é bastante simples … todas estas reflexões surgem com o intuito de uma reflexão mais ampla a propósito dos ditos … “passadiços”, que têm vindo a proliferar por todo o país.
A motivação inicial para a construção dos passadiços até começou por ser boa. A ideia seria por exemplo nas zonas dunares de evitar o pisoteio da já de si frágil flora dunar, habitualmente arrasada por milhares de veraneantes durante sobretudo as épocas balneares. Mas aquilo que começou por ter uma motivação positiva rapidamente redundou em mais uma forma de aumentar a carga e impactos negativos humanos sobre os habitats naturais ou relativamente naturais.
Nos últimos anos então … os passadiços (e afins) tornaram-se inicialmente numa moda até ao ponto de constituírem actualmente uma autêntica praga. É como se os responsáveis autárquicos já não conseguissem conceber meios de fruição dos espaços naturais sem “espetarem” um passadiço, ou muitos passadiços, na paisagem. Em jeito de “bónus”, aos passadiços têm vindo a acrescentar mega-baloiços, caderinhas e o mais que o génio “pimba” de alguns iluminados tem tido o condão de trazer ao mundo e de “espetar” nas paisagens do país. Como se a própria paisagem, ou a Natureza em redor, não tivesse valor por si só. Como se precisasse dos “brinquedos” mais “fetichistas” que o génio humano é capaz de conceber para ter valor. Ironicamente essa mesma “paisagem” permanece em muitas dessas situações completamente abandonada e um monumento vivo às espécies invasoras ou à desertificação do solo.
Parece que se esqueceram, por exemplo, que durante séculos os seres humanos já caminhavam e interagiam com “a paisagem” através de meios de muito menor impacto como os próprios caminhos pedestres.
Aquilo que é mais importante são caminhos pedestres bem sinalizados mas sobretudo projectos de valorização e regeneração ecológica das paisagens percorridas por esses mesmos caminhos. Na verdade os passadiços não só não contribuem para essa valorização e regeneração como tantas e tantas vezes têm precisamente o efeito oposto: O de produzir uma carga paisagística e logística pesadíssima em locais em muitas circunstâncias de elevada sensibilidade ecológica. Por outro lado são uma autêntica “auto-estrada” aberta para atrair para esses mesmos locais hordas barulhentas e até bárbaras de pessoas cuja sensibilidade ecológica e respeito pela Natureza é semelhante à sensibilidade de um adepto da música pimba por Bach.
Um verdadeiro projecto de regeneração ecológica passa em larga medida pela criação de condições propícias à fixação e desenvolvimento da flora autóctone … passa muitas vezes pela plantação de árvores autóctones. Ora um bom projecto dessa índole tem por inerência um horizonte temporal de longo prazo … logo um horizonte muito para além dos ciclos eleitorais. E esse é precisamente talvez o principal propósito de um passadiço: o de constituir-se como prova de “obra feita” para fins eleitorais … daí a ter-se gerado uma verdadeira “corrida ao passadiço” foi um instantinho e chegamos a este ponto de os ver plantados por todo o lado, acabando por se constituir um elemento pesadíssimo e “estranho” numa paisagem para a qual deveria sensibilizar.
Mas que paisagem é essa? Essa é outra questão … muitas vezes fazem-se passadiços para contemplar … eucaliptais até perder de vista e outras paisagens profundamente deterioradas.
Mas não faz mal. Tudo o que importa são os exercício de imaginação pimba mais elaborados com o propósito de aumentar o “números” de visitantes para gáudio dos fanáticos da estatística … sem que seja efectuado por exemplo qualquer estudo de impacto ambiental.
Em suma … não sou contra os passadiços por si só … em situações pontuais podem de facto ser um instrumento de ordenamento paisagístico e organização da circulação daqueles que procuram os espaços naturais ou relativamente naturais. Ou em situaçções muito pontuais uma forma de acesso a locais em circunstâncias normais inacessíveis. Mas deveriam ser uma solução pontual e não a solução primordial e da moda só porque “sim” … ou só porque “a galinha da vizinha é sempre maior que a minha” … então se as outras terras têm passadiços também quero “para a minha terra”. Estamos portanto perante uma autêntica “febre do passadiço”.
Ora os passadiços têm um custo elevado. Um custo de construção e um custo de manutenção, já que com relativa rapidez começam a apresentar sinais de desgaste e deterioração. Custam muito dinheiro e implicam um elevado investimento de recursos que podiam e deviam ser usados para aquilo que é verdadeiramente importante: a valorização e regeneração ecológica do território. É fácil ter num Domingo hordas e hordas de excursionistas barulhentos a percorrer um passadiço … mas quantas pessoas se consegue juntar por exemplo para uma acção de reflorestação? Ou de controlo de espécies invasoras? Ou para uma verdadeira acção de Educação Ambiental?
Qual delas a Natureza necessita mais? A resposta é evidente.
Por outro lado os passadiços são-nos “vendidos” com um instrumento de valorização e até de conservação da Natureza … mas será que existe algum estudo sobre os seus verdadeiros impactos?
Esse é também um aspecto fundamental: a total ausência, até ao momento, de estudos de impacto ambiental.
Chegado a este ponto ocorre-me aquela velha (e nem por isso menos actual e urgente) máxima recorrente entre os autênticos amantes da Natureza quando vão a algum local “natural”:
“Não deixar mais que pegadas, não tirar mais do que fotografias e não levar mais do que recordações.”
Ora os passadiços (e outras aberrações) acabam por se constituir vezes sem conta como verdadeiros “cancros” na paisagem. Os locais “instagramáveis” (como agora está na moda dizer) não fazem mais senão do que atrair multidões a locais que não precisam de multidões mas sim de visitantes realmente conscientes e capazes de valorizar e apreciar a própria essência dos ecossistemas locais. Multidões que em muitos casos arrasam a flora local e como recordação dos seus feitos deixam aquilo que de mais prolífico a nossa dita civilização tem vindo a produzir: lixo.
Em jeito de conclusão … será que somos de facto um povo mais consciente e ecológicamente mais sensível? A alguns níveis talvez … a muitos outros parece-me que infelizmente ainda estamos muito longe desse objectivo … e os passadiços em nada, bem pelo contrário, estão a contribuir para isso.
Fica a reflexão. Fica a mensagem e fica o apelo para se a quiserem partilhar e fazer chegar a outras pessoas … óptimo. Se um só metro de passadiço inútil for evitado o esforço desta reflexão já não terá sido em vão.
Um abraço e Boa Ecolução!
(*) Formador e Activista Eco-Social, Animador Socio-Cultural. Dinamizador, entre outros, do Projecto PJP.ECOLUTION
PJP.ECOLUTION
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Agora, com perto de 80 anos, as pernas e o fôlego já não me ajudam nas caminhadas que fiz, durante mais de 30 anos nas serranias do meu Alto Minho natal. Com os companheiros percorremos todos os fins de semana os centenários trilhos do Gerês, das brandas da serra Amarela e da Peneda. E também as charnecas ribatejanas, e as planuras alentejanas...
ResponderEliminarChegou agora a moda dos passadiços, bons para poupar o calçado de marca e glorificar alguns dos nossos autarcas, « amigos » do ambiente.
Compartilho a sua inquietação pelo panorama que se avizinha, e sei que os nossos netos irão criticar negativamente a nossa inércia...