As
consequências ecológicas do Covid-19
por
Pedro Jorge Pereira
09-04-2020
O
objectivo principal deste documento é o de proceder a uma análise
dos eventos e impactos produzidos pela dita Pandemia de
Covid-19 e daí tentar retirar algumas ilações
relativamente à forma como se organiza e funciona a nossa sociedade.
Neste
caso especificamente o objectivo é o de tentar analisar as possíveis
consequências, sobretudo do ponto de vista ecológico por assim
dizer, não obstante ser um ponto de análise algo difícil de isolar
porque se encontra, claro, intimamente associado a tantas outras
questões. Ou, dito por outras palavras, uma abordagem do ponto de
vista ecológico implica abordar questões de ordem económica,
social, ideológica, etc.
O
que este documento pretende é pois lançar uma discussão sobre
estas questões e todos os contributos relevantes são pois muito
bem-vindos e potencialmente irão enriquecer ainda mais a troca de
ideias e o traçar de possíveis linhas de reflexão.
Podemos
começar por dividir a análise entre aquilo que são impactos
essencialmente positivos (oportunidades) e aquilo que são impactos
essencialmente negativos (e que é urgente de alguma forma pensar em
formas de os mitigar). Se bem que em muitos casos a divisão esteja
longe de ser linear.
A
próxima reflexão/documento será pois um maior aprofundamento dos
aspectos aqui enunciados e sobretudo do possível potencial de
reflexão e mudança contido em cada um deles. Será pois um
documento que converge numa direcção e visão de uma nova sociedade
pós Covid-19. Ou pelo menos um primeiro manifesto para um documento
mais profundo que poderá até, quem sabe, adquirir a forma de uma
publicação …
IMPACTOS
principalmente positivos
É
muito sensível falar de impactos essencialmente positivos quando
estamos a referir-nos a um evento responsável por uma situação
causadora de tanto sofrimento e a tornar bastante complicada a vida a
tantas e tantas pessoas … agora e muito provavelmente nos próximos
tempos … por outro lado, infelizmente, muito vezes são necessárias
situações “de choque” para efectivamente produzir mudanças a
nível da organização social … e evidentemente não podemos
prosseguir num modelo devastador para o equilíbrio ecológico dos
ecossistemas naturais assim como num modelo que tem vindo a gerar
ainda maiores assimetrias económicas e injustiça social. Por isso a
mudança é urgente e infelizmente muito poucas acções têm sido
efectuadas nesse sentido. A muitos níveis até bem pelo contrário.
Existem núcleos de poder muito poderosos que têm vindo a
desenvolver todo um programa e sistema, com forte influência ao
nível das diversas instâncias governamentais na generalidade dos
países, orientado essencialmente para o seu enriquecimento e
manutenção da situação quase endémica de injustiça económica,
ambiental e social. Só com uma forte mobilização da sociedade
civil é possível implementar as medidas necessárias para uma
mudança radical nas estruturas económicas e sociais dominantes.
Transportes
Transporte
Automóvel
Um
dos aspectos mais imediatos e evidentes que a paralisia e
“quarentena” forçada da maior parte da população produziu é
claro uma tremenda redução na emissão de gases poluentes.
Com
a generalidade da população confinada às suas casas, as
deslocações encontram-se enormemente diminuídas e isso representa
um decréscimo tremendo em termos de emissão de gases. O que se
relaciona directamente com a forma profundamente “pesada”,
nomeadamente sobretudo através do veículo automóvel individual,
como nos deslocamos.
Por
outro lado, com diversas unidades industriais também parcialmente ou
mesmo totalmente encerradas há uma diminuição avassaladora nas
emissões de gases.
De
resto essa realidade é extremamente visível em imagens obtidas
através de satélite e as diferenças entre o “antes” e o
“durante” as medidas de restrição são brutais.
Uma
das principais conclusões é pois a de que a redução drástica do
tráfego automóvel traduziu-se, como seria de esperar, numa redução
drástica da poluição atmosférica e por inerência de um aumento
tremendo na qualidade do ar.
Aqui
uma ligação para alguns dados relativos à Península Ibérica:
Observador,
Mariana Fernandes, em linha 2020-03-26:
Transporte
Aéreo
Em
termos de transportes é ainda de destacar, e de que maneira, a
brutal redução do transporte aéreo.
Nos
últimos anos, em especial na última década, devido em particular a
uma forte política de subsídios à indústria aeronáutica houve
uma banalização do transporte aéreo … obviamente que esse
aumento quase exponencial traduziu-se também num aumento das
emissões de gases poluentes produzidos por este sector.
Com
uma enorme restrição ao movimento de pessoas causada pela dita
Pandemia de Covid-19 e um cancelamento da grande maioria das
deslocações aéreas a redução ao nível de emissão de gases
poluentes foi/é também exponencial.
Esse
facto é tanto mais relevante se considerarmos que uma grande parte
das deslocações aéreas são de motivação algo questionável. Uma
viagem de avião tem um impacto ecológico tremendo, nomeadamente em
termos de emissões, e faz cada vez menos sentido apanhar um avião
para ir passar um fim-de-semana a um qualquer destino turístico “da
moda”.
Em
relação ao COVId-19 creio que é uma consequência directa do mundo
exacerbadamente globalizado em que vivemos ... como nunca na história
temos uma quantidade tão grande de pessoas (e produtos) a viajar
distâncias tão grandes em períodos de tempo tão curtos …ou
seja, pode bem ser uma consequência directa do mundo exacerbadamente
globalizado em que vivemos … e nessa medida é importante haver uma
forte relocalização de áreas importantes da nossa organização
social … como a própria economia. Não significa que vamos ou
devemos deixar de viajar mas provavelmente há muitos aspectos da
nossa vida e vivências que podem (provavelmente devem) bem passar
por o fazermos a uma escala mais “local”.
Existe
uma urgência, a meu ver, do transporte aéreo começar a ser
encarado com todos os seus elevados impactos ambientais (se quisermos
também sociais e até culturais) e deixar de ser tão subsidiado ...
é urgente reduzir o transporte aéreo e a forma “banal” como é
utilizado.
Consum(ism)o
É
de certa forma paradoxal que, hoje em dia, haja um consumo exacerbado
que vai muito para além de necessidades reais essenciais. Ou seja,
consome-se muito mais do que é necessário sendo que o próprio
sistema produz por definição quantidades obscenas de desperdício.
Então a questão não é só o consumir em excesso mas sim uma
pequena parte da população mundial consumir em excesso e gerar
constantemente níveis inadmissíveis de desperdício quando a maior
parte da população mundial não tem sequer o necessário para
satisfazer as suas necessidades mais elementares de alimentação,
vestuário e habitação. Por isso o acesso ao consumo encontra-se
fortemente distorcido e os impactos ecológicos do mesmo são também
brutais.
Há
por um lado um consumo desenfreado de recursos naturais, que tem
levado a uma escala sem precedentes de destruição ambiental.
Por
outro lado há uma produção astronómica de resíduos que acabam,
porventura na maior parte dos casos, por poluir os ecossistemas
naturais … causando inclusive a morte directa ou indirecta de
milhões de animais selvagens.
Então um dos impactos mais imediatos
da Pandemia de Covid-19 foi o de, pelo menos por um certo
período de tempo, ter levado à redução forçada dos níveis de
consumo e impactos do mesmo. Isto considerando especialmente as
limitações de deslocação da maior parte das pessoas àquilo que
são as grandes superfícies de consumo. Contudo … é também
possível que o consumo por exemplo de produtos de higiene e
alimentares tenha aumentado.
Urbanismo
e Demografia
No
último século e sobretudo após a revolução industrial a
população humana tornou-se numa população essencialmente “urbana”
ou seja, numa população que vive essencialmente em cidades,
particularmente grandes cidades.
Em
2025 estima-se que 65% da população mundial viva nas zonas urbanas
Em
1985, 41% da população mundial vivia nas zonas urbanas
Em
1920, 14% da população mundial vivia nas zonas urbanas
Esta
concentração da população em grandes cidades tem evidentemente
repercussões aos mais variados níveis.
Na
verdade as cidades são ecossistemas essencialmente artificiais e
dependentes do “exterior” em termos de recursos e, muitas vezes,
são também incapazes por si só de tratar devidamente os detritos
produzidos.
Evidentemente
que quanto maior é a população maior é a dificuldade em responder
em termos de infra-estruturas básicas. Isto significa que a
aglomeração populacional em grandes cidades do ponto de vista
ecológico pode ser percepcionado como algo predominantemente
problemático.
Uma
das possíveis consequências ou problemas de uma concentração de
um número demasiadamente elevado de pessoas numa área relativamente
diminuta prende-se, por exemplo, com a maior fragilidade e
vulnerabilidade à proliferação por exemplo de situações
epidémicas e uma maior propensão a um número elevado de vítimas
por exemplo face a catástrofes naturais. Ou situações de pandemia
…
Existe
uma correlação bastante forte entre a densidade populacional de uma
determinada cidade e a vulnerabilidade face a situações como às
mencionadas anteriormente. Por outro lado existe também uma
correlação bastante forte entre o volume e rapidez de circulação
de pessoas e bens e a maior vulnerabilidade por exemplo para a
disseminação de doenças.
A
“crise” provocada pelo Covid-19 veio demonstrar, sobretudo caso
houvesse suficiente capacidade de análise em profundidade, da
necessidade premente de aliviar a carga populacional nos grandes
centros urbanos e isso passa fundamentalmente pela criação de
condições de atractividade elevada para o “interior” e investir
na criação de melhores condições de vida nas zonas rurais. Por
outro lado é também prioritário alterar o paradigma dominante em
termos de urbanismo: Ao invés de um constante aumento da densidade
urbanística e artificialização dos espaços … é necessário
fazer precisamente o oposto … diminuir a densidade de construção
dentro dos espaços urbanos e reconverter espaços ocupados por
estruturas artificiais em espaços produtivos por exemplo do ponto de
vista alimentar ou capazes de proporcionar serviços ambientais como
purificação da qualidade do ar (apostando predominantemente em
espécies autóctones).
Parece-me
evidente que as epidemias só atingiram (atingem) as proporções que
atingiram essencialmente por um factor ... e ele é bem humano: a
elevada concentração de um número elevado de pessoas num espaço
relativamente reduzido ... ou seja, são um fenómeno essencialmente
urbano … e foi precisamente em grandes centros urbanos que
verificaram maior gravidade (Madrid, Milão, etc.)
Urbano
Vs Rural
Ainda
de certa forma ligado à questão do urbanismo a realidade é que o
abandono do chamado “mundo rural” revela-se problemática aos
mais variados níveis … sendo de destacar a tremenda perda de
produtividade alimentar, ou falta dela. É uma situação
particularmente grave no caso português em que auto-suficiência em
termos alimentares é bastante reduzida … e uma situação de crise
serve, em larga medida, para nos relembrar desse sério problema e
dependência …
No
fundo uma sociedade essencialmente de “serviços” acaba, a muitos
níveis, por não estar a produzir quase nada daquilo que é mais
essencial, sobretudo se pensarmos na alimentação. Então é também
uma paradigma que urge alterar.
Ecossistemas
e Vida Selvagem
O
confinamento em massa da população humana “dentro das suas casas”
traduziu-se também numa enorme diminuição da pressão humana nos
ecossistemas naturais. A diminuição da pressão humana e a redução
dos níveis de poluição a vários níveis tornou possível cenários
inimagináveis como por exemplo o avistamento de determinadas
espécies animais das quais não havia registo de avistamento em
determinados locais.
Por
outro lado aquela que é, ou deveria ser, uma das principais ilações
da Pandemia de Covid-19 prende-se
com aquela que é uma das suas prováveis origens … ou seja o
Covid-19 é uma zoonose … está directamente ligado ao facto de um
determinado vírus que existe de forma relativamente inócua numa
determinada espécie animal poder-se revelar bastante agressivo em
contacto com a espécie humana. À medida que os habitates naturais
vão sendo destruídos e/ou ocupados pela espécie humana, ou à
medida que espécies selvagens são capturadas e retiradas do seu
habitate natural (por exemplo neste caso para consumo humano) há um
aumento muito substancial de situações de zoonoses poderem
acontecer.
Assim
sendo a Pandemia de
Covid-19 deveria servir
para alertar para aquilo que demasiadas pessoas e poderes políticos
ainda não perceberam: a importância de proteger a preservar os
habitats naturais assim como de proteger e evitar os impactos humanos
negativos sobre as espécies selvagens. Se não pelo valor intrínseco
que esses habitates e espécies possuem, pelo menos pelas
consequências negativas para a própria espécie humana.
IMPACTOS
principalmente negativos
Os
impactos principalmente negativos são de alguma forma evidentes
havendo claro muitos outros impactos que poderão surgir com a
própria evolução da situação. Mas mais uma vez é importante
salientar que de aspectos ou impactos negativos há sempre um
potencial de advirem mudanças importantes e que se podem considerar
positivas.
Resíduos
Descartável
Com
a natural situação de “medo” instalada, nomeadamente no que diz
respeito à agressividade e facilidade de propagação do COVID-19, é
expectável, na verdade está já a suceder, que esta "crise"
venha constituir um rude golpe para o movimento Lixo Zero ...
certamente mesmo após a pandemia estar relativamente debelada vai
começar a haver um apelo constante ao uso do descartável "a
torto e a direito" por ser supostamente o mais higiénico ...
por isso é de antever que a utilização do plástico que estava a
regredir vá "voltar em força" ;O(
Dessa
forma a quantidade de resíduos produzida irá muito provavelmente
aumentar ainda mais … e considerando as enormes deficiências em
termos de gestão e tratamento de resíduos, aliado ao “enorme”
civismo da população, isso significa mais resíduos lançados nos
ecossistemas naturais …
Produtos
Químicos Nocivos
Com
toda a situação despoletada pelo COVID-19 é provável que a
higienização dos espaços com produtos químicos bastante
agressivos se torne ainda mais disseminada e comum … sendo em parte
compreensível a realidade é que essa realidade terá também um
impacto muito significativo ao nível dos ecossistemas planetários …
são quantidade brutais de produtos químicos libertados na Natureza
e que irão “por arrasto” poluir por exemplo o meio aquático e
potencialmente contaminar e até matar muitos outros seres … é
ainda importante relembrar que existem todo um conjunto de
micro-organismos, nomeadamente muitos tipos de bactérias, que na
realidade são essenciais para o equilíbrio e bom funcionamento dos
ecossistemas e que serão possivelmente eliminados dos mesmos …
Por
isso estando instalada a tendência para “pecar por excesso” é
muito provável que venham a surgir sérios desequilíbrios ao nível
da composição biológica dos vários ecossistemas sendo que estou
em crer que muitas vezes é esse mesmo equilíbrio que evita a
proliferação descontrolada de um determinado vírus ou bactéria.
Que tendem a prosperar sobretudo em meios artificiais e
artificialmente climatizados.
Água
Para
além da questão da água em termos qualitativos, ou seja, no que
concerne à eventual contaminação da mesma por ainda mais produtos
químicos nocivos há também a questão qualitativa que se prende
com um aumento das práticas de lavagem dos espaços. Então é de
esperar um acréscimo no consumo de água. Em muitos casos
provavelmente também “em excesso”.
Investimento
na Conservação da Natureza e Políticas Ambientais.
Num
contexto de previsível crise económica a Conservação da Natureza
e as Políticas Ambientais são vezes sem conta o “elo mais fraco”
das distribuições orçamentais. Isso significa que existe uma
probabilidade considerável de essas áreas, já de si com enormes
dificuldades ao nível da dotação de recursos, virem a enfrentar
restrições – nomeadamente ao nível económico – ainda maiores.
Crise
Económica
Uma
crise económica é naturalmente uma realidade que se repercute de
forma negativa aos mais variados níveis. Também com o próprio
cidadão individual a tender investir menos em produtos mais
ecológicos. Ainda assim esta situação não pode deixar de ser
vista, simultaneamente, como uma potencial oportunidade de mudança.
Por
um lado um sistema económico baseado num constante crescimento
(quando os recursos são cada vez mais limitados e as necessidades
tangíveis são bem menores do que as necessidades “especulativas”)
é um sistema caduco e que precisa urgentemente de mudar para um novo
paradigma … eventualmente de “Decrescimento” … um movimento
que remete para uma abordagem e modelo completamente diferente de
organização social baseado na busca de um significado de vida mais
profundo e menos alicerçado na acumulação material … desde logo
profundamente desigual em termos geográficos, económicos, de escala
social, etc.
Restrições
aos Direitos Individuais
Muitas
vezes observamos na história que situações de crise levam em
muitas ocasiões à ascensão de forças e ideologias totalitaristas
assim como a uma generalizada perda e restrição de direitos
fundamentais individuais. Nesse sentido é particularmente importante
estarmos atentos ao evoluir da situação enquanto cidadãos.
Um
Ecoabraço e Boa Ecolução!
Pedro
Jorge Pereira
PJP.ECOLUTION
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