Sobre a gratidão e outras coisas essenciais ...
14 de Outubro de 2019
Quem me conhece sabe que tendo a ser alguém, em geral, bastante
reservado. Não gosto muito de expor a minha privacidade e vida pessoal.
Ao mesmo tempo … suponho que tenho cada vez mais noção de como a vida é
tão volátil … e de que serve viver se não tivermos, de alguma forma,
vivido verdadeiramente? E creio que viver verdadeiramente passa por
“sentirmos” e também pelos “sentimentos” que de alguma forma propiciamos
nos outros.
Ou seja, de que serve viver se não formos capazes de
“tocar” os outros … tocar “verdadeiramente” … no seu coração. Há
relativamente pouco tempo li algo muito interessante … curiosamente … e
mais uma vez parece que o Universo nos transmite as suas mensagens das
formas por vezes mais inesperadas … li esse pensamento tatuado nas
costas de um senhor durante um evento a que fui assistir … e dizia algo
como: “Podem-se esquecer de quem foste, podem-se esquecer do que fizeste
mas nunca se vão esquecer do que os fizeste sentir” … e esse pensamento
deixou-me efectivamente a pensar … imenso. Fez um tremendo sentido.
Na nossa cultura dizem-nos que temos que ser fortes, duros, frios e
racionais … que um “homem não chora” por exemplo … mas nunca nos dizem,
ou quase nunca nos dizem … que temos que nos permitir sentir … e de
sabermos escutar e viver esse sentir mais profundo … que vem talvez do
coração, que vem talvez da alma …
Assim sendo e tudo isto para
dizer … de que serve viver se não pudermos tocar também de alguma forma
os outros? E é por isso que decidi escrever esta reflexão e partilhar de
alguma forma a minha vida pessoal … talvez também na perspectiva de que
o meu modesto exemplo possa inspirar, quem sabe, outros seres que
possam estar a passar ou vir a passar por situações difíceis.
Há
sensivelmente 5 anos começou aquele que foi para mim, até ao momento, se
não o mais difícil certamente um dos processos mais difíceis e também
“assustadores” da minha vida …
Começaram a surgir alguns sintomas
que, longe de imaginar o seu significado, levaram ao diagnóstico de um
“Linfoma” … ou seja, uma doença oncológica.
O processo de
tratamento foi naturalmente um processo que me levou ao limite das
minhas capacidades físicas, psicológicas e emocionais …
Foi portanto um processo de profundo desgaste …
Ao mesmo tempo foi também um processo que contribuiu em muito para ter
hoje provavelmente uma forma ligeiramente diferente de ver a vida …
Hoje regressei ao “Hospital de Dia” do Hospital Pedro Hispano, o local
onde decorreu o processo de tratamento e consultas, para fazer uma
avaliação da situação. Regressar ao Hospital de Dia habitualmente gera
em mim um sentimento algo ambíguo e até contraditório …
Por um lado
é sempre uma espécie de sensação traumática … regressar a um local onde
me dirigia para efectuar tratamentos de quimioterapia … que são
"arrasadores" ...
É sempre um sentimento traumático por de certa forma me relembrar de um dos períodos mais difíceis da minha vida …
Mas, simultaneamente, creio que sinto predominantemente gratidão … gratidão por ter tido acesso a esses tratamentos …
As pessoas gostam muito de criticar com relativa facilidade … por vezes
por tudo e por nada … e ainda por cima criticar de forma inconsequente …
sem em nada contribuir para que as coisas possam melhorar ou ser
diferentes … mas pessoalmente creio que em geral até estamos numa
situação algo privilegiada … temos acesso a um serviço nacional de saúde
em geral gratuito … algo que não existe em muitos países, onde
predominam sistemas de saúde privados ou semi-privados (como cá também
existe em paralelo) … mas essa “diferença” entre Portugal e muitos
outros países, até na própria Europa, salvou-me a vida … porque
possivelmente não teria tido condições económicas para me curar e salvar
a minha vida … o que é um pensamento algo assustador …
E sinto
também gratidão por ir e estar num local onde, de alguma forma, consegui
até hoje não ter que voltar para efectuar quimioterapia e por,
sobretudo, 5 anos volvidos estar vivo … e ter vivido tudo o que vivi até
hoje … ainda que, como é natural, também com momentos difíceis,
dolorosos, etc. Mas no fundo vivi. O que não era algo garantido há 5
anos atrás …
Na verdade não é hoje, não é agora, não é daqui a 5 minutos.
Voltar ao Hospital de Dia e especialmente quando aguardo pela consulta os momentos são sempre de profunda ansiedade …
Hoje, mais uma vez, também foi assim.
Com uma particularidade … felizmente os resultados dos exames e
análises revelaram que felizmente “está tudo bem” … as 3 simples
palavras que mais ansiava por ouvir …
E a particularidade foi a Doutora Fátima ter acrescentado …
“Tem Alta …”
Ao fim de 5 anos, e mesmo com toda a margem de incerteza que existe,
posso finalmente considerar estar de alguma forma livre da doença
oncológica …
De certa forma, e após o final dos tratamentos e ter
ficado a saber que eles tinham produzido o resultado pretendido, a minha
vida prosseguiu … como se de alguma forma a realidade do “linfoma”
fosse ficando, gradualmente, cada vez mais para trás no tempo ao ponto
de se ter tornado uma realidade algo distante …
Mas claro, nunca deixou de ser uma realidade, ainda que passada, que me acompanhava de alguma forma …
E suponho que me acompanhará sempre de alguma forma …
Mas, simultaneamente, acredito que temos como uma espécie de filtro… e
aquilo que predomina e que mais e melhor nos recordamos são as
experiências positivas … com nostalgia …
Se bem que também não
existe nada de errado com as experiências ditas negativas até porque
vezes sem conta são elas que mais “nos ensinam” e fazem “crescer” …
Mas “em suma” o que fica de toda esta experiência? Bom, tentando
resumir ao máximo, creio que fica sobretudo essa noção, que deveria ser
evidente, mas da qual nos precisamos de relembrar com imensa frequência
de que no fundo … a vida é incrivelmente frágil e efémera … e por isso
mesmo tão especial …
A vida é incrivelmente volátil … a começar e acabar em nós próprios …
Então aquele “lugar comum” de que devemos saber aproveitar a vida ao
máximo adquire, em verdade, outra importância e creio um significado
ainda mais profundo e essencial.
E viver a vida ao máximo implica sobretudo discernir o que é acessório do que é essencial …
E talvez hoje tenha mais noção do que é verdadeiramente essencial …
Verdadeiramente essenciais são aqueles que mais estiveram ao meu lado, por exemplo, neste processo …
A verdade é que quando partimos deste mundo … a vida continua sem nós …
praticamente como se nem notasse a nossa partida … “permanecemos”
sobretudo no afecto e Amor que soubemos plantar durante a vida no
coração dos outros …
Ou seja, provavelmente aquilo em que seremos
mais recordados é na forma como soubemos acariciar, fazer rir, abraçar,
beijar … no fundo … pela forma como soubemos e nos permitimos a amar
verdadeiramente … aqueles que nos souberam tocar verdadeiramente … e
que, sobretudo, soubemos “tocar” verdadeiramente …
E quase tudo o mais é redundante … ou tão pouco importante comparativamente a isso …
Então, mais do que nunca, o mais importante é sabermos ser autênticos …
não adiarmos para amanhã os nossos sonhos, paixões, missões …
Porque hoje pode ser a última oportunidade de vivermos … verdadeiramente …
Mesmo que muitas vezes não pareça (mas esforço-me cada vez mais para
que pareça e seja) … sinto-me profundamente grato por cada sopro de vida
que me é permitido neste planeta …
E quando partir … se me for
permitido viver o suficiente para isso … espero partir com um sorriso …
com um sorriso e a paz de ter sido o mais coerente possível com a minha
essência, com as minhas missões, com as minhas paixões e talvez um
sorriso de poder acreditar que contribuí para que o mundo, ou pelo menos
o “mundo” daqueles que me foi permitido “tocar”, se tenha tornado um
pouquinho melhor …
seja no abraço que não ficou por dar, na palavra
de carinho que não ficou por dizer, na “loucura” que não ficou por ser
feita com receio do que pudessem pensar de mim …
seja onde for e como for …
Fica pois essa minha mensagem: vivam o que sentem profundamente que
querem viver … não adiem para amanhã tentarem que a vossa vida seja o
mais fiel reflexo dos vossos sonhos e de a tornar e à dos em vosso redor
… melhor … mais profunda, sentida … mais plena de Amor.
E claro,
sinto-me profundamente grato à vida por me ter permitido ter por perto,
quando era provavelmente mais difícil, senão mesmo quase impossível,
seres tão especiais e únicos que nunca me deixaram desistir e me
ajudarem a encontrar forças para enfrentar tamanha tempestade … nunca,
por muito mais anos que viva, poderei exprimir a gratidão que sinto por
fazerem parte da minha vida. E por terem estado tão profundamente
presentes na minha vida quando foi mais difícil alguém querer
verdadeiramente estar.
Com muito Amor e Gratidão,
Pedro Jorge Pereira
p.s. e claro que haveria muito mais que gostaria de dizer mas isso dava
material talvez para um texto bem mais longo, talvez um livro, que de
resto já comecei há algum tempo a escrever ... por isso, já agora, se
tiverem alguma recomendação ou contacto que me possa ajudar a
concretizar esse projecto agradeço de todo o coração